27 de Fevereiro, 2023
No dia 4 de Fevereiro, o Sopro participou num encontro do Departamento Diocesano da Pastoral da Saúde de Braga, no Centro Pastoral da cidade, juntando-se à reflexão sobre formas de acolhimento e integração da comunidade LGBT+ na Igreja Católica.
Cada ano, este Departamento, além das actividades que procura promover, desenvolve um tema de reflexão dentro da equipa, constituída por 15 pessoas. É sobretudo “uma ferramenta de auxílio a todos os outros Departamentos Arquidiocesanos, no sentido de resignificar os conceitos de saúde, na sua definição mais integral (bio-psico-social-espiritual, bem mais do que a doença), as suas determinantes e os seus eixos fundamentais de prevenção, cura e reabilitação”, explica Jorge Vilaça, padre responsável pelo Departamento Diocesano da Pastoral da Saúde. No corrente ano pastoral, “acompanhar” é o tema base, concentrando-se na relação das pessoas LGBT+ e da Igreja Católica. Neste sentido, já foram realizados dois encontros. No final de cada ano, são enviadas anotações para todos os outros departamentos arquidiocesanos.
Nesta partilha estiveram presentes três elementos do SOPRO, que enriqueceram a reflexão a partir de três ângulos: o da prática clínica psicológica com pessoas LGBT+, representado por uma psicóloga, o do acompanhamento pastoral de grupos de pessoas LGBT católicas, por um padre diocesano, e o das próprias pessoas LGBT+ católicas, através de alguém que se encontra nesse lugar de fala. O primeiro mostra que é “muito claro, em Portugal, o sofrimento de pessoas LGBT+ que são religiosas. Outras pessoas, deixaram a sua fé, mas as coisas não estão bem.” A psicóloga considera que esta situação, por vezes, é provocada por “um manto muito grande de desconhecimento destas realidades.”
José Maria Pacheco, padre diocesano, começou por realizar uma contextualização do discurso da Igreja Católica sobre a homossexualidade, ressaltando a sua evolução, mas, simultaneamente as dificuldades que subsistem. Paralelamente, integrou a sua experiência, enquanto dinamizador de encontros informais de pessoas LGBT católicas, em Roma, nos anos 80, a convite de um padre, motivado pelos casos de suicídio que fora conhecendo, consequência das violências exercidas pela Igreja Católica.
Ao longo da sua apresentação, José Maria referiu que Portugal se encontrava muito atrasado, em relação a outros países, no que diz respeito ao aprofundamento da relação entre as identidades LGBT+ e a Igreja. “Há 8 anos, desde que regressei de Roma, tenho estado a colaborar numa paróquia em Vila Nova de Gaia. Nas reuniões de vigararia, só uma vez alguém falou indirectamente desta realidade. Logo aparecem alguns sorrisos, e cria-se imediatamente um mal-estar. É mesmo difícil termos a sinceridade, a abertura de espírito para poder começar a falar entre nós.”
“O que se pode fazer mais, do ponto de vista pastoral, além de tirar a manta?”, interrogou Jorge Vilaça. “Acho que se tem de começar pela formação, seja dos seminaristas, das catequistas, de todos/as os/as agentes pastorais. Depois, a colectivização. É bastante importante que as lutas não sejam individuais. Sublinho também o diálogo com associações e colectivos da sociedade civil, sendo uma oportunidade para mostrarmos uma Igreja no mundo, que quer reparar e fazer diferente, no que diz respeito à relação com as pessoas LGBT+. Este movimento permitiria, não só aproximar as pessoas da Igreja, mas também a Igreja das pessoas. Há que sublinhar a necessidade de denúncia da homo, bi e transfobia em contextos católicos, das terapias de conversão, dos despedimentos, na sequência de algum(a) colaborador(a) assumir a sua sexualidade não-normativa, bem como outros actos de violência, e insistir na sua penalização. Há que redigir cartas abertas dirigidas aos órgãos de poder e organizar momentos em que estes ouçam quem se encontra no lugar de fala. Porque não organizar acções pacíficas? A Igreja tem muito medo da palavra activismo. É preciso perdê-lo. Se apoia movimentos pró-vida, as suas caminhadas e concentrações, então porque é que não estende a sua luta às ruas quando também é de Vida que se trata?”, reflecte Raquel Rodrigues.
Nesta reflexão foi chamada a atenção para a particularidade das pessoas trans, que, dentro do grupo LGBT+, serão as que apresentam maior taxa de suicídio em todas as faixas etárias. Quando interrogada sobre a eventualidade de algumas incertezas ou confusões por parte das pessoas, quanto à sua identidade de género, a psicóloga partilha que o mais importante que os/as profissionais e a família podem fazer é “acompanhar tranquilamente”.
Sobre esta inquietação de alguns acerca da possibilidade das questões identitárias poderem ser uma “moda”, Raquel Rodrigues problematiza: “Será que a moda vigente não é a heterossexualidade e a cisgeneridade? Crescemos com referências exclusivas a relações heterossexuais e a identidades cisgénero, seja nas histórias lidas na infância, nos filmes, na televisão, nos ideais de ‘felicidade’ de que nos falaram… Muitas vezes confunde-se a cultura com a natureza.”
José Maria Pacheco concluiu o encontro: “Se há uma coisa que nos é evidente, a partir do debate, é a complexidade destas questões, mas ao mesmo tempo o risco de crispação. Se calhar é isso o que, na Igreja, é o mais importante neste momento. Há um risco sério de cada um se fincar nas suas posições, ignorando as dos outros, e as legítimas interrogações que levantam, também. É preciso manter unidas as diversas questões complicadas e os diversos pontos de vista, que não se excluem automaticamente, mas que, se não forem confrontados e não se chegar permanentemente a novas sínteses, o que acontece é que cada um fica na sua e ignora a questão que o outro põe. O verdadeiro acolhimento significa abrirmo-nos a essa diferença, da qual instintivamente nos defendemos e temos medo de abordar.”
*Este artigo foi escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.